Coral usa música contra o esquecimento


Professor da UnB coordena único coral do mundo destinado
ao tratamento de pessoas com mal de Alzheimer

Um levantamento feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgado em 2007, apontava a existência de 24,3 milhões de pessoas portadoras da doença de Alzheimer em todo o mundo, número que tende a aumentar com o envelhecimento da população. Por isso, desde que a doença foi descrita, há pouco mais de 100 anos, especialistas no mundo inteiro se debruçam sobre estudos que proporcionem longevidade e qualidade de vida para esse público.

Uma iniciativa pioneira da Universidade de Brasília (UnB) tem mostrado resultados positivos. Desde 2005, funciona no Hospital Universitário de Brasília (HUB) um coral destinado exclusivamente a portadores da enfermidade e parentes ou amigos que convivem diretamente com eles. Uma vez por semana, o grupo de 25 pessoas se reúne para cantar marchinhas de carnaval, sambas e músicas folclóricas.

“Os familiares dizem que este é um momento de muita alegria. Eles contam que desde que passaram a freqüentar o coral o paciente parece ter estabilizado, deixou de piorar. Para o Alzheimer isso é uma grande conquista”, diz o geriatra e professor da UnB Renato Maia, idealizador da proposta e presidente da Associação Mundial de Gerontologia e Geriatria. Os depoimentos vão ao encontro dos objetivos de auxiliar na reabilitação por meio de atividades que gerem bem-estar e sentimentos de alegria.

ESTRATÉGIA – A escolha pela formação de um grupo musical não foi à toa. Maia conta que existem corais para portadores de Parkinson, síndrome que limita os movimentos, mas explica que o canto se torna ainda mais desafiador para o paciente com Alzheimer, uma vez que essa doença degenerativa e incurável afeta diretamente a memória.

Nesse sentido, cada canção entoada pelo grupo é escolhida meticulosamente. O repertório privilegia canções populares de festas juninas e natalinas, ou seja, músicas ligadas à infância ou juventude, que geralmente remetem a boas lembranças. “Quando o integrante canta uma marchinha, se transporta para aquele momento de carnaval, para a namorada que conheceu. Essa magia fortalece o sistema imunológico do cérebro”, diz o maestro Sérgio Kolodziey, regente do coral.

Além dos pacientes, o coral é também aberto intencionalmente aos cônjuges, irmãos, filhos ou sobrinhos que acompanham a trajetória do doente. À primeira vista, a mistura entre os dois públicos poderia parecer desvio de foco no grupo, mas Maia e Kolodziey explicam que essa união é fundamental. “O parente é uma pessoa-chave para dar apoio e ajudar a reduzir a evolução da doença. Esse atendimento é importante porque se o familiar não souber canalizar o seu sofrimento, vamos ter não um, mas dois doentes”, diz o maestro.

ALEGRIA – Para o professor, os benefícios registrados pela atividade mostram que o imaginário em torno do Alzheimer não deve inviabilizar a busca de tratamentos complementares. “Existem possibilidades de atuação tendo como objetivo a qualidade de vida do doente. É preciso cuidar, se solidarizar e buscar alternativas que possam aliviar o peso para as famílias”, diz.

Maia e Kolodziey não escondem a satisfação pessoal de estar no projeto. “Eu me sinto reavivado, feliz da vida. Não tem coisa melhor que ter a oportunidade de prolongar a vida de uma pessoa”, afirma o maestro. “A minha satisfação vem do reconhecimento dos familiares em relação ao que acontece aqui, que se mostram muito gratos ao hospital e à UnB”, diz Maia.

Os pacientes do coral de Alzheimer não alegram apenas o corredor do 1º andar do ambulatório 2 do HUB nas manhãs das terças-feiras. Eles se apresentaram pela primeira vez em 2006, num evento que lembrou os 100 anos da doença, descrita pelo médico alemão Alois Alzheimer. Também marcaram presença no Jardim Zoológico de Brasília e no Pátio Brasil Shopping.


Em geral, a doença de Alzheimer acomete pessoas a partir dos 60 anos de idade. Ainda não foram descobertas suas causas, nem tratamentos de cura. O máximo que se consegue é a estabilização do processo de degeneração das células na parte do cérebro responsável pela memória, raciocínio e linguagem. Os primeiros sintomas são perda da memória recente, como nomes, números de telefone, compromissos e fatos importantes, almoçar, fechar a porta do armário ou trancar a porta de casa. Quanto mais cedo a doença for identificada, maiores as chances de paralisar o processo.

A arte tem sido utilizada de diferentes formas ao redor do mundo em tratamentos contra a doença. Nos EUA, pacientes foram submetidos a sessões de audição de música, que ajudou a regular o humor e a diminuir a agressividade, realizado no Miami Veterans Administration Medical Center. Também nos EUA, o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e o Museu de Belas Artes de Boston, criaram programas de visitação específicos para esses pacientes, visando estimular a memória emocional. Em 2007 foi lançado o livro Alucinações musicais, em que o médico Oliver Sacks defende os benefícios da música.

Fonte: http://www.secom.unb.br/bcopauta/saude67.htm


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