História da Música Ocidental

Introdução
O Renascimento foi um movimento cultural muito complexo, que nasceu na Itália, por volta do século 14, e se espalhou pela Europa cem anos depois. Para o seu surgimento contribuíram centenas de causas existenciais e comerciais. Entretanto, podemos levantar algumas características gerais: O humanismo, o cientificismo e o início da tecnologia atual, a valorização da cultura greco-romana, a liberdade de circulação de idéias, A economia capitalista com todas as sua conseqüências: o incremento comercial, as primeiras indústrias e o estabelecimento dos bancos, o ressurgimento das cidades e a solidificação das nações, o colonialismo, o imperialismo e a globalização, a suposta e imaginável supremacia européia cristã-ocidental, o pragmatismo político, as novas pesquisas científicas e a vitória do racionalismo na filosofia, a crítica religiosa e a diversidade de crenças, a fundação de universidades e a divulgação do saber pela imprensa etc...

A história passou por grandes revoluções no período renascentista. A visão do homem sobre si mesmo modificou-se radicalmente pois, no período anterior, todos os campos do saber humano tendiam a voltar-se para as explicações teocêntricas, isto é, a visão do homem basicamente tinha Deus como ponto de partida para todas as discussões acerca do universo, suas origens e seus mecanismos. Na renascença, o homem passou a voltar seu olhar sobre si mesmo, isto é, houve o ressurgimento dos estudos nos campos das ciências humanas, em que o próprio homem toma-se como objeto de observação, ao mesmo tempo em que é o observador.
No campo da ciência, o período foi um dos mais férteis na história da humanidade. Galileu Galilei, mesmo perseguido pela Igreja, afirmava não ser a Terra o centro de todo o universo. Pela constatação do movimento da Terra em torno do Sol, as teorias de Galileu seguiam em rota de colisão com os próprios conceitos religiosos vigentes: tal fato, por si mesmo, já era considerado um desafio às autoridades religiosas.

A invenção da bússola, assim como o aprimoramento das técnicas de navegação, facilitou a expansão marítima européia, resultando na nova rota marítima para as Índias, realizada por Vasco da Gama. Por outro lado, a pólvora, outrora utilizada meramente para a fabricação de fogos de artifício, passou a ser utilizada para fins militares. Desta forma, os colonizadores europeus passaram a obter vantagem bélica esmagadora sobre os povos dos territórios conquistados.

Leonardo da Vinci, talvez sendo aquele que mais personificou os padrões do homem renascentista, tendo sido pintor, escultor, arquiteto, cientista e músico, deixou contribuições nas artes (criou uma das mais populares pinturas na história das artes, La Gioconda, a Mona Lisa) além de realizar inúmeros experimentos científicos, entre eles os seus projetos de engenharia, que assombraram sua época.

Esta época marca o início do mundo moderno.
Música no período Renascentista

Por comodidade, adotamos esta denominação para a Música no período compreendido entre 1450 e 1600, mas, nela mesma, não aconteceu uma transformação profunda, igual à ocorrida em outras áreas do conhecimento humano, Pelo contrário, houve somente um desenvolvimento de algumas técnicas explicadas adiante.

Muitos historiadores justificam este rótulo dizendo que a Música "renasceu" durante o século 15, tendo, por pressuposto, desaparecido nos séculos anteriores. A atividade musical é inerente a todas as civilizações e nunca, em nenhum momento, deixou de existir, seja em rituais, seja em trabalhos ou seja em festas. Vimos quantas músicas em estilos diversos apareceram na Idade Média e nunca houve uma pausa. Outros ainda argumentam que "a música ficou mais alegre", baseando-se nos textos das canções populares da época, mas muitas canções medievais e hinos religiosos medievais "expressam" alegria.
Por último, os músicos do século 16 não conseguiram resgatar a música greco-romana. Somente apareciam referências àquelas culturas nas citações ou textos literários em canções e motetos ou em títulos de músicas instrumentais.

A música mesma não é da Grécia e nem de Roma !

Características gerais

A música ainda era escrita nos modos medievais, mas com muitas modulações, transposições, alterações cromáticas e até microtonais, nos gêneros medievais e sob a supervisão da Igreja Católica, orientando os padres-compositores.
A mudança mais interessante em relação à Ars Nova foi que o contraponto atingiu um alto grau de complexidade e sofisticação, com combinações intrincadas de até 64 vozes. Apesar do compositor fazer primeiro o cantus firmus, ele já começa a pensar na dimensão vertical da música, isto é, em harmonia, no movimento concatenado das vozes. A partir de então todas as partes têm que combinar entre si e nada pode ser colocado por acaso. Os acordes de terças e sextas eram usados em tempos fortes, mas os uníssonos, quartas, quintas e oitavas justas começavam e terminavam a música.
A imitação de melodias inteiras ou trechos é mais freqüente entre as vozes. Surge a subdivisão binária, isto é, a notação métrica, e abandonam teorias de ritmos medievais. Surge a idéia da fórmula de compasso. Ritmos de danças eram aproveitados. As cores das figuras tornam-se brancas para as longas e pretas para as curtas . Isto porque começaram a usar papel de cor branca, ao invés do pergaminho. (A palavra fusa vem do latim e significa "fragmento")
São feitas experiências acústicas como a multiespacialidade (exemplo: distribuição do coro em vários lugares da igreja) e efeitos vocais variados (gritos, resmungos e sons de animais, entre outros).

Há uma rica profusão de novos instrumentos na Europa que foram reunidos em famílias, chamadas consortes, (talvez esta palavra tenha vindo de concerto, "reunião" em latim), desejando extrair um som homogêneo da música. Assim apareceram os consortes da flauta doce, da viola da gamba, do cromorne, etc... Na maioria das vezes, todos tocavam em pé, costume que só acabou no final do século 18.
A música religiosa ainda era regida pela solfa em lugares pequenos, mas outros regem do órgão. Na música instrumental nos palácios, nos castelos e nas cortes surge a figura do "mestre da música", que, sendo primeiro-instrumentista do grupo, dirige todos no seu instrumento (cravo, flauta doce, viola medieval. violino, alaúde etc.).
As músicas eram escritas em pequenos cadernos chamados cartelas. Os compositores as escreviam a lápis e, depois de copiarem ou executarem as peças, apagavam tudo e compunham outra por cima. E, como a escrita se complicou e aumentou o número de vozes, escreviam todas as partes separadas.
Surge a imprensa musical. Muitas vezes as edições eram patrocinadas pelos reis ou nobres querendo homenagear ou prestigiar um de seus empregados-músicos.
3 – Música vocal

3.1 – Religiosa
Missas, hinos, motetos e outros cânticos eram compostos para suprir todas as necessidades católicas. Dois gêneros de missas apareceram: a "missa paródia", na qual o compositor citava alguma melodia preexistente, e a "missa paráfrase", na qual um canto gregoriano, muito modificado, era ouvido.

No final do século 16, os luteranos criaram para o seu culto uma música muito simples, feita para que todos os seus fiéis a cantassem, ao contrário da prática católica, muito elaborada. Esta música para o serviço luterano recebeu o nome de "coral". Ela é um movimento de acordes com melodias curtas, sem ornamentação e ritmos fáceis. As origens das melodias eram de temas folclóricos e cânticos católicos adaptados para a nova religião e criações próprias.
Então a Igreja Católica, descobrindo a vantagem deste estilo musical, procurou simplificar os seus próprios cantos. A alta cúpula eclesiástica, no espírito da Contra-Reforma, exigiu que os compositores evitassem toda a parafernália contrapontística e fizessem peças homofônicas e sem experimentações rítmicas. Basicamente, a música passou a ser escrita para um coro pequeno, sem acompanhamento instrumental, surgindo daí a expressão "coro a capella". Somente eram admitidos homens para cantar este repertório. As vozes agudas eram feitas por meninos, contratenores e "castratti".
Nesta época as vozes tinham os nomes:

Nome medieval Nome renascentista Significado e função
Supremus ou Superius Soprano (italiano) Escrita na parte superior da partitura,
é a voz mais aguda da música, carregando,
na maior parte das vezes, a melodia

Altus (latim) Contralto (italiano) Escrita acima do tenor, é voz mais grave
que a soprano, preenchendo a parte
intermediária da trama polifônica


Contraltus (latim) Contratenor (italiano) Escrita na pauta abaixo da altus é voz
mais aguda que o tenor e preenche a parte
intermediária da trama polifônica

Tenor (latim) Tenor Sua origem era a voz que sustentava o
cantus firmus, ficando entre a voz agudas e a
grave e preenchia a parte intermediária da
trama polifônica

Bassus (latim) Basso (italiano) Escrita abaixo de todas e na parte inferior da
partitura, passando a ter a função de tenor
ou sustentar o canto
Algumas vezes as vozes mais agudas ainda eram chamadas de "discantus" e "cantus", respectivamente.

No final deste período, soprano e contralto passaram a designar também as vozes femininas. Os termos para as vozes mezzo soprano ("soprano médio" em italiano) e barítono ("som pesado" em grego) só surgiram no século 17.
3.2 – Profana

Uma grande parte da documentação musical deste período é composta por músicas vocais profanas dos mais variados tipos, funções, estilos e origens: festas, comemorações, saudações, serenatas, reuniões em tavernas, teatro etc... E todo o tipo de gente a fazia: reis, princesas, bispos, músicos profissionais, bobos da corte e cantores de rua anônimos, entre outros.
A qualidade destas músicas era igual às canções do rádio e da televisão de hoje - eram compostas diariamente e logo caíam no esquecimento - e entraram para a História porque são exemplos da produção cultural do período.
Entre os gêneros renascentistas podemos destacar:
- frótola ("frutinha" em italiano): canção estrófica de tema amoroso com acompanhamento instrumental em uníssono ou ornamentado;
- villancico ("sertanejo" em castelhano): música com refrão e acompanhamento instrumental de vihuela - instrumento de cordas dedilhadas e outros instrumentos, dobrando a melodia, fazendo figurações e marcando o ritmo;
- chanson ("canção" em francês): escrita para conjunto a três, quatro ou cinco vozes, era trabalhada em contraponto nota-a-nota; o canto era silábico, desenvolvendo assim uma simplicidade harmônica e formal; os temas eram retirados de acontecimentos cotidianos, políticos, amorosos, eróticos, pornográficos etc...;
- madrigal ("mãe" em italiano): tem esse nome porque era cantado em italiano e não em latim; reuniu várias características da frótola, chanson e técnicas contrapontísticas; o canto era muitas vezes silábico; tinha acompanhamento instrumental; a forma dependia do poema; a temática era pastoril-amorosa; os compositores, querendo expressar o texto, fazem experimentações com a monodia - melodia-e-acorde, com as dissonâncias e com os ritmos.
4 – Música instrumental

Podemos dividir a produção instrumental renascentista em três grandes grupos:

4.1 – Erudita
Dentro da música ocidental, começa-se a esboçar uma preocupação em trabalhar com todos os parâmetros do som, em seus detalhes e nuances, além do seu nível de execução. Este tipo de procedimento pode ser chamado de música erudita. É uma denominação muito pesada, rigorosa e enfadonha, mas é preferível a música "séria", música "culta", música "elevada", música "clássica", música de "ponta", música de "pesquisa", música de "laboratório", música "experimental" etc...

Até então quem buscava isto eram os padres-compositores, mas somente para a funcionalidade religiosa da música. Agora as peças começam, pela primeira vez, a refletir a sua especificidade sonora, sem apoios literários, visuais ou funcionais, e até os seus nomes passam a ser dados segundo o seu aspecto estrutural.

Desenvolveram-se vários gêneros:
- canzona da sonar ("canção para soar" em italiano): versão instrumental de peças cantadas; as primeiras canzoni eram para teclado ou alaúde e depois foram escritas para conjuntos instrumentais;
- fantasia in nomine: tema e variações baseadas num tema religioso para teclado ou cordas;
- fantasia: peça livre contrapontística para teclado ou cordas;
- ricercare ("procurar" em italiano): peça com estilo imitativo para órgão ou alaúde;
- toccata ("tocar" em italiano): peça livre para teclado, com passagens virtuosísticas;
- sonata ("soar" em italiano): peça para instrumentos de cordas.
Usam-se os termos sinfonia ("reunião de sons" em grego) e concerto ("reunião" ou "ajuntamento" em latim) para designar peças para qualquer combinação instrumental e vocal, tanto religiosas quanto profanas.
4.2 – Dança

A produção era enorme porque os compositores tinham que fornecer músicas para todas as festas do castelo, palácio ou corte onde trabalhavam. Temos que contar as que também foram compostas para as festas populares e tavernas. As mais comuns, entre outras, eram a pavana, galharda, bransle, chacona e passacalha.
4.3 – Utilitária
Havia ainda composições específicas para algum serviço dentro do palácio. São marchas diversas (militares, nupciais ou fúnebres), músicas para cerimônias políticas ou execuções etc...
5 – Vida musical

Os músicos eram empregados das igrejas, das cortes ou das famílias ricas. A maior parte eram padres-compositores. Tinham contratos rigorosos e viviam sob ameaça constante de perda de emprego, sem falar nas rivalidades com outros músicos e empregados, agravadas ainda mais com as disputas e confusões políticas, religiosas, etc...
Todos compunham nos gêneros e temáticas da época por obrigação ou por vontade própria. Assim vemos lado a lado música religiosa, danças, marchas militares, música erudita e canções pornográficas nos catálogos dos compositores.
Alguns centros musicais e seus mais destacados compositores foram:
Holanda
Heinrich Isaac (c1450/1517)
Jacob Obrecht (c1450/1505)
Jan Sweelink (1562/1621)
Bélgica
Adrian Willaert (c1490/1562)
Cyprian de la Rore (?1515/1565)
Jacob Clement (?1510/?1556)
Johannes Ockenghem (c1410/?1497)
Nicolas Gombert (c1495/c1560)
Orlande de Lassus (?1530/1594)
Pierre de la Rue (c1460/1518)
França
Clément Janequin (c1485/1558)
Josquin Desprez (c1440/1521)
Inglaterra
William Byrd (?1543/1623)
Thomas Morley (?1557/1602)
John Dowland (?1563/1626)
Orlando Gibbons (1583/1625)
Itália
Gioseffo Zarlino (1517/1590)
Andrea Gabrieli (1533/1585)
Claudio Merulo (1533/1604)
Giovanni Gabrieli (?1553/1612)
Giovanni Pierluigi da Palestrina (?1525/1594)
Luca Marenzio (?1553/1599)
Carlo Gesualdo (c1561/1613)
Claudio Monteverdi (1567/1643)
Adriano Banchieri (1568/1634)
Espanha
Juan del Encina (1468/?1530)
Tomás de Victoria (1548/1611)
A música deste período foi sendo descoberta em meados do século 19 e divulgada através de estudos, edições, execuções e gravações. A herança musical do renascimento para a composição atual consiste nas técnicas do contraponto e dos princípios do tonalismo.

Fonte: geocites.com movimento.com
Editado e complementado por Marcus Gerhard


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